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[RESENHA #186] DE PAULICEIA DESVAIRADA A LIRA PAULISTANA - MÁRIO DE ANDRADE


Título: De Pauliceia Desvairada a Lira Paulistana
Autor: Mário de Andrade
Editora: Martin Claret
Páginas: 470
Ano: 2017
ISBN: 978-85-440-0135-6
Onde Comprar: Amazon

Sinopse: Neste volume reúnem-se diversas obras em verso que marcaram a carreira de Mário de Andrade, entre elas "Pauliceia desvairada", "Losango Cáqui", "Clã do Jabuti", "Remate de males", "O carro da miséria", "A costela do grã cão", "Livro azul", "Café" e "Lira paulistana". Uma edição imperdível que permite-nos compreender melhor a concepção dos modernistas brasileiros.

Resenha: De Pauliceia Desvairada a Lira Paulistana é uma coleção que a editora Martin Claret resolveu editar e nos presentear com uma obra brilhante. Nela contém diversos trabalhos publicados em verso por Mário de Andrade. Após uma breve introdução caminhamos para o mundo poético de Mário de Andrade com Pauliceia Desvairada, nitidamente uma ode à São Paulo, que se inicia com “Prefácio interessantíssimo”, o qual demonstra um certo tom debochado e crítico também.

“Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar tudo o que meu inconsciente me grita. Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi. Daí a razão deste Prefácio Interessantíssimo. Aliás muito difícil nesta prosa saber onde termina a blague, onde principia a seriedade. Nem eu sei.” p. 35
Dentre os diversos poemas contidos em Pauliceia Desvairada, o amor de Mário de Andrade por São Paulo sempre é mostrado de forma explícita e como verdadeira inspiração.

São Paulo! Comoção de minha vida…
os meus amores dão flores feitas de original…
Arlequinal!… Traje de losangos… Cinza e ouro…
Luz e bruma… Forno e inverno morno…
elegâncias sutis sem escândalos, sem ciúmes…
perfumes de Paris… Arys!
Bofetadas líricas no Trianon… Algodoal!…

São Paulo! Comoção de minha vida…
galicismo a berrar nos desertos da América!” p. 55

A cidade vai sendo descrita em vários poemas, descritos ora romantizados, ora de uma forma mais crítica como em Domingo:

(…) Automóveis fechados… Figuras imóveis…
O bocejo do luxo… Enterro.
E também as famílias dominicais por atacado,
Entre os convenientes perenemente…
- Futilidade, civilização (...)” p. 64

Mas Pauliecia Desvairada continua sempre exaltando a cidade da garoa em seus mais de 20 versos, cada qual demonstrando seu amor, seu rancor, seu desejo, sua felicidade e também tristeza por assim dizer.
Na sequência, temos o livro “Losango Cáqui”, que mantém o mesmo ritmo de Pauliceia, talvez um pouco mais lírico e também provocativo, tendo vista poemas que trazem o militarismo com tema e pano de fundo.

Meu coração estrala.
Esse lugar-comum inesperado: Amor. (…)” p. 101

Marchamos certos em reta pra frente.
Asa especula freme vagueia na luz do Sol.
Faça do seu espírito ua marcha de soldado,
das suas sensações um voo de andorinha.(...)” p. 118

A obra continua com Clã do Jabuti, que se solta um pouco mais pelo Brasil, passando por Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Rio Grande do Norte, Porto Alegre, Acre entre outros. Apresentando poemas que retratam um pouco da vida do trabalhador, do corenialismo e também algumas maravilhas como o carnaval do carioca. As críticas não se foram nos poemas do Clã do Jabuti, continuam lá em meio ao lirismo dos poemas de Mário de Andrade.

A Fornalha estrala em mascarados cheiros silvos
Bulhas de cor bruta aos trambolhões,
Cetins sedas cassas fundidas no riso febril…
Brasil!
Rio de Janeiro!
Queimadas de verão!
E ao longe, do tição do Corcovado a fumarada das nuvens pelo céu.
Carnaval… (…)” p. 151
Em Remate dos Males, conhecemos um Mário um pouco mais ácido, nervoso, sofrido e até um pouco rabugento. Alguns de seus poemas são quase reclamações e alguns demonstram principalmente o maior de todos os males: O sofrimento por amor.

(…) Antes de morrer!… Eu me sinto
Tão vazio com este amor…
Não aguento mais meu peito!
Morrer! Seja como for!
Eco, responda bem certo,
Morrerei hoje, amanhã?…
E o eco me responde: - Nhãam… (...)” p. 230

O Carro da Miséria é um poema é uma sátira que mescla a vida paulistana com a visão política da época. O carro da miséria é mostrado como um carro alegórico em um desfile de carnaval:

(…) Plaff! chegou o Carro da Miséria do Carnaval intaliano. (...)” p. 282
Em A Costela do Grã Cão, a figura feminina toma um pouco mais de destaque nos poemas de Mário de Andrade, aqui ele circula entre o amor terno e o amor voluptuoso. Dois dos poemas que eu mais gostei, se encontram nesse livro, Mãe e Reconhecimento de Nêmesis.

Mão morena dele pousa
No meu braço….Estremeci.
Sou eu quando era guri
Esse garoto feioso.
Eu era assim mesmo… Eu era
Olhos e cabelos só.
Tão vulgar que fazia dó. (...)” Reconhecimento de Nêmesis. p. 297

Mãe
Existirem mães,
Isso é um caso sério.
Afirmam que a mãe
Atrapalha tudo,
É fato, ela prende
Os erros da gente,
E era bem milhor
Não existir mãe. (…) p. 303
Em o Livro Azul, a poesia de Mário de Andrade está mais poética, até mesmo quando fala de morte.

"Mocidade parva,
Dor sem pensamento,
Ôh cálido futuro
De brilho estonteante,
Fechando o presente
No punho cerrado
Com as unhas aduncas,
Ferindo a munheca
De onde o sangue escorre
Gravando o caminho
Com rastro facílimo
Em que a fera acode
Lá no rombo escuso
Te pega nas garras,
Explode o suspiro
Escurece aos poucos
Teu corpo auroral." (...) p. 339-340

No livro Café, acompanhamos a história de decadência escrita em forma de ópera. Ele é divido em três partes: O Primeiro Ato, que narra a queda absoluta do café como principal fonte de renda e mostra como isso assolou toda uma geração de agricultores e, principalmente, de trabalhadores que de uma hora para outra se viram na miséria, sem pão, sem água, sem lar, sem chão.

O Segundo ato, nos leva à Câmara-Ballet que é apresentada como se fosse uma sessão de um plenário político, onde em meio a toda crise cafeeira, os políticos simplesmente não se importam e acabam falando de coisas fúteis e sem sentido, o que acaba enfurecendo a plateia formada por trabalhadores que não têm o que comer.

O terceiro e último ato, nos mostra o final da revolução e como os revolucionários chegaram a vitória. Café é uma obra cheia de críticas as leis da economia daquela época, onde os mais fracos continuavam mais fracos e aqueles que estavam por cima, por assim dizer, os barões do café, continuavam a manter seus padrões, mesmo com toda a crise que afetou toda uma geração. Café também é contada em forma de poema nos mesmos termos acima.

Os Estivadores:
Minha terra perdeu seu porte de grandeza…
O café que alevanta os homens apodrece
Escravizado pela ambição dos gigantes da mina de ouro.
O café ilustre, o grão perfumado
que jamais recusou a sua recompensa,
Nada mais vale, nada mais.
Que farei agora que o café não vale mais! (...)” Café – O Poema. p. 373

Lira Paulistana é o último livro que compõe essa obra editada pela Martin Claret. Como o próprio nome já diz, é uma ode à cidade da garoa, dos botequins, das ruas apertadas, das costureirinhas…. Lira Paulistana presenteia a cidade de São Paulo com belíssimos poemas que chegam até a nos arrancar certas lágrimas, assim como aquela felicidade de reconhecimento de suas ruas e bairros em cada um dos poemas que compõe Lira Paulista.

Na rua Barão de Itapetininga
O meu coração não sabe de si,
Não se vê moça que não seja linda,
Minha namorada não passeia aqui.

Na rua Barão de Itapetininga
Minha aspiração não aguenta mais,
A tarde caindo, a vida foi longa,
Mas a esperança já está no cais.

Na rua Barão de Itapetininga
Minha devoção quebra duma vez,
Porque a mulher que eu amo está longe,
É… a princesa do império chinês.

Na rua Barão de Itapetininga
Noite de São João qualquer mês terá,
Em mil labaredas de fogo e sangue
Bandeira ardente tremulará.

Na rua Barão de Itapetininga
Minha namorada vem passear.” p. 427

Lira paulistana, se já não estava claro nos livros anteriores, traz uma verdadeira obra de amor por São Paulo. Temas como Minha Viola Bonita, São Paulo pela noite, Garoa do meu São Paulo, a emocionante Agora eu quero cantar, entre muitas outras que compõem Lira Paulistana, demonstram a verdadeira fascinação e paixão que Mário de Andrade tinha pela sua grande São Paulo.
Opinião: Não é fácil ler poesia. Não mesmo. Eu raramente o faço, mas preciso dizer que acho que estou perdendo tempo. De Pauliceia Desvairada a Lira Paulistana, me mostrou que a poesia é uma coisa bastante agradável, quando se tem uma obra como essa, editada pela Martin Claret. Apesar de minhas “antigas” convicções, a leitura foi bastante fluída e confesso que me deliciei em certos momentos da obra de Mário de Andrade.

Essa coletânea, que traz o melhor de seu verso, me surpreendeu imensamente. Claro que vou ter que reler toda a obra com mais calma e tentar analisar cada um de seus poemas de uma forma mais acadêmica para fins de estudos. O engraçado é que mesmo hoje, mais de setenta anos depois da publicação de Lira Paulistana, por exemplo, ainda é possível ver a São Paulo de Mário de Andrade. Pode ser no bairro do Ipiranga, seja o baixo ou seja o alto, onde tem aquela igrejinha que ainda lota no “Domingo”.
Aquelas ruas escondidas ali em São João Clímaco, aquelas casinhas ainda vivas onde moram as “vós” e os “vôs” e onde ainda podemos ver aquelas costureirinhas descendo a rua de mãos dadas a irem passear ou mesmo só comprar um punhadinho de pão na padaria do Gumercindo, enquanto a garoa molha a calçada decorada do bairro todo.

Uma obra imperdível, simplesmente imperdível.
Agradeço a editora Martin Claret por ter enviado um exemplar para a resenha, que não teve e nem terá o objetivo de esmiuçar o trabalho em verso de Mário de Andrade. Na verdade essa resenha é apenas para demonstrar o imenso cuidado e dedicação que a Martin Claret teve na edição desse maravilhoso livro, que tem capa dura, marcador de cetim vermelho, fonte agradável e papel amarelado.

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2 Comentários

  1. Sou suspeita para falar aqui de como gostei das imagens feitas sobre esse livro. Sou fã de suas fotos, Jeffa. Ficou tudo maravilhoso.
    Sobre o livro, confesso que não sei ler e compreender tão bem um livro de Poesias. Sua resenha fez-me sentir "em casa" com essa obra maravilhosa. Sou mineira, não conheço tão bem a capital de São Paulo... mas cada trecho ou comentário me fez ter a plena certeza que o livro é um ótimo investimento. Parabéns.

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  2. Carol, muito obrigado. Invista no livro, pois vale cada centavo. Beijos e obrigado novamente.

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