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[RESENHA #312] O GAROTO DO RIQUIXÁ - LAO SHE

Título: O Garoto do Riquixá
Autora: Lao She
Editora: Estação Liberdade
Páginas: 336
Ano: 2017
ISBN: 9788574482774
Onde comprar: Amazon - Saraiva

Sinopse: A utopia da cidade grande, pintada no imaginário coletivo como o eldorado redentor de oportunidades para uma vida melhor, sempre alimentou esperanças, não importando o lugar ou a época. Essa temática que, em suma, é a luta pela sobrevivência ganha um registro impactante em O Garoto do Riquixá, romance de Lao She publicado originalmente em 1937, que agora dá início a traduções do chinês pela Estação Liberdade. Ambientada em Beijing dos anos 1920 e 1930, tempos de grande efervescência social e política na China, a trama acompanha a catártica cruzada de Xiangzi, o personagem-título. Vindo do campo, ele se instala na metrópole determinado a se tornar um condutor de riquixá. A ideia que o anima é simples: economizar seus yuans para conseguir comprar o próprio veículo e, assim, se tornar um trabalhador autônomo. No entanto, sua missão não será nada fácil. Ora traído por sua inocência, ora ludibriado por patrões mal0intencionados ou figuras interesseiras que cruzam seu caminho, Xiangzi parece fadado a um destino de danações. O rapagão bem disposto e sonhador que veio à cidade com pouco mais do que a cara, a coragem e a roupa do corpo tem de lidar com o choque de uma realidade hostil, onde a noção de sobrevivência pode significar atropelar o próximo, se necessário for. Com esta tragédia social, colocando o povo como principal tema e se apropriando do dialeto das ruas de Beijing, Lao She marcou seu nome no modernismo literário na China. O personagem de Xiangzi, apropriadamente apelidado de "Camelo", é a personificação da eterna luta entre os opulentos e os miseráveis, o ser humano bestializado por seus pares. Com humanismo e dura honestidade, o autor criou um documento histórico de uma China ainda bem destoante da potência econômica que desconcertaria o mundo nas décadas seguintes.

Resenha: Xiangzi só desejava comprar o seu próprio riquixá, e para isso trabalhava de sol a sol, economizando tudo que podia. Fazia suas viagens com uma grande consideração para com seus companheiros puxadores, o que lhe rendia um respeito entre os seus. A vida dos puxadores [de riquixá] era uma das mais duras de todas na Beijing dos anos 20. Mesmo dentre eles existiam as categorias e suas camadas. Entre os puxadores existia a categoria dos jovens puxadores que trabalhavam a qualquer hora com seus riquixás alugados. Também existia a categoria dos puxadores mais velhos, que corriam menos e trabalhavam com riquixás seminovos e poderiam trabalhar tanto no período diurno ou noturno. E, tinha também a categoria dos puxadores com menos de vinte e mais de quarenta anos que não se enquadravam em nenhuma das categorias, tinham seus carros muito usados e caindo ao pedaços e não se atreviam trabalhar no período da noite. Todos os puxadores almejavam um trabalho fixo, que consistia em trabalhar para apenas uma família, ganhando seu salário e um extra aqui outro ali, principalmente em dias em que a família tinha visita ou realizava uma festa.

"Além dessas categorias, existiam ainda os puxadores que se destacavam devido à localização geográfica e à habilidade. Os que viviam na região oeste da cidade, naturalmente, percorriam mais as colinas locais, Yanjung e Qinghua; da mesma forma, aqueles que moravam na área do Portão Anding percorriam Qinghe e a região norte, enquanto quem morava na área do Portão Yongding percorria a região sul." p. 13.
Xiangzi demorou três anos para conseguir juntar cem yuans, o preço equivalente a um riquixá novo, mas munido do dinheiro necessário, conseguiu comprar um melhor do que ele até esperava. Feliz da vida e confiante, Xiangzi, corria pelas ruas de Beijing levando seu passageiros e ganhando seu suado dinheiro. Depois dos rumores de que os soldados estavam nas ruas fora dos portões da cidade, ninguém se atrevia a sair de seus limites. Porém, uma oferta inusitada e a confiança extrema de Xiangzi, o levaram a fazer uma corrida para fora dos portões da cidade, arriscando tudo que tinha. É a partir desse ponto que nos envolvemos em uma jornada catártica.

"Não havia nenhum veículo fora do portão da cidade. Xiangzi baixou a cabeça, sem coragem para olhar para os lados; sentia o coração bater descompassado no peito. Quando chegaram à Ponte Gaoliang, ao não ver nenhum soldado, suspirou de alívio. Dois yuans eram dois yuans! E, por sua coragem, merecia aquela grana." p.30.
Ao se arriscar, saindo dos portões da cidade, a vida cobrou um preço bastante alto de Xiangzi e apesar desse grande revés, ele ainda acaba conseguindo uma segunda chance e até consegue algum dinheiro quando retorna à cidade. Mas isso não quer dizer que ele tenha se conformado com os infortúnios. Infeliz pela grande perda, resolve puxar riquixá de aluguel da Garagem Harmonia de Liu Si, onde também conhecemos Tigresa, filha do velho Liu e que ajudava o pai nos negócios.

"De acordo com os puxadores, Xiangzi era o único que tinha o privilégio de morar na Garagem sem ter que alugar um carro do senhor Liu Si. Por isso, alguns conjecturavam que Xiangzi era parente do velho. Mas a maioria acreditava que decerto o velho o havia escolhido como genro, devido à sua condição humilde." p. 56. 
Arte da edição chinesa de "O Garoto do Riquixá" - Xiangzi
Encontrar um emprego fixo era um grande objetivo dos puxadores de riquixá alugado. Além de conseguirem um trabalho mais calmo, recebiam salário fixo, refeições diárias e um local para dormir. Também conseguiam um dinheiro extra em dias de festa ou visitas nas casas dos patrões, o que ajudava ainda mais na renda de um puxador de riquixá. Mas nem sempre esses patrões eram bons, caridosos e respeitosos. Muitas vezes, os puxadores precisavam aguentar patrões avarentos, exploradores e ranzinzas para sobreviver. Por azar, foi exatamente um desses patrões que Xiangzi teve que aguentar para ter o prazer de um emprego fixo, o que no final das contas, não foi prazer algum.
Não aguentando a humilhação de seu último emprego fixo, onde não tinha nem tempo para comer, não teve outra opção a não ser voltar a Garagem Harmonia. Xiangzi, então, recomeça sua labuta de puxar um riquixá alugado pelas ruas de Beijing. Suas economias ainda o mantinham longe de um riquixá novo, por isso, trabalhava até altas horas para conseguir o máximo de dinheiro possível e, assim, voltar a ser seu próprio patrão. Foi numa dessas noites, em que o velho Liu Si estava fora da cidade que sua filha Tigresa, mostrou seu outro lado para Xiangzi, seu lado mulher.

"O mais estranho era que, quanto mais pensava em se esconder dela, mais pensava em encontra-la. Esse desejo crescia à medida que o dia escurecia. De sã consciência sabia que era impróprio, mas se encheu de coragem, queria experimentar, mesmo sabendo que estava cometendo um erro, preso nas garras da paixão." p. 83.

Totalmente abalado com os acontecimentos com Tigresa, Xiangzi, se culpa pelo seu erro e resolve não mais voltar à Garagem Harmonia, mas para sua surpresa, um antigo cliente seu, senhor Cao, o reencontra e faz uma oferta, além de muitíssimo oportuna, totalmente irrecusável: Um emprego fixo. Para Xiangzi, aceitar a oferta do senhor Cao foi muito fácil, pois a família Cao era daquelas que primam pelo respeito, consideração e tratam todos amavelmente. Além de tudo isso, ainda tinha o pagamento mensal, refeições, uma cama decente e um trabalho realmente leve. Mas como nada é fácil na vida de Xiangzi, depois um tempo na casa da família, Tigresa resolve fazer uma visita ao garoto do riquixá, trazendo inclusive, uma notícia que mudaria seus planos totalmente.

Opinião: Eu não sabia, realmente, o que esperar de O Garoto do Riquixá de Lao She, lançado pela Editora Estação Liberdade, quando comecei sua leitura. O escritor chinês nos mostra cruamente, como era a vida de um puxador de riquixá na década de 20, mostrando mais ou menos 10 anos na vida quase que totalmente desgraçada de nosso querido Xiangzi. Apesar de ter sido escrito na década de 30, em 1936 mais exatamente, a história de busca pela libertação financeira ainda é totalmente atual. Dando-se suas devidas proporções, obviamente, não tem como não se identificar com a estrada tortuosa que Xiangzi tem que trilhar para tentar conseguir sobreviver. O escritor demonstra claramente, a eterna "corrida dos ratos" a que todos nós temos que nos submeter no dia a dia para conseguir, muitas vezes, apenas no básico: comida e moradia. É nessa estrada violenta, tortuosa e cruel que caminhamos de mãos dados com Xiangzi torcendo a cada corrida para que ele consiga se livrar das correntes pesadas e terríveis da fome, doença e morte. Aliás, esses são três fatores muito presentes em O Garoto do Riquixá, que mostra uma Beijing à beira da revolução e guerra, onde a miséria é o que quase todos os chineses têm em comum nessa história fenomenal.
A escrita de Lao She é bastante fluída e aconchegante, o que nos faz gostar ainda mais de O Garoto do Riquixá. A crítica social é ilustrada claramente através da inevitável tragédia e decadência humana da sociedade de Beijing, mostrada, como disse antes, cruamente nas páginas dessa bela obra. O Garoto do Riquixá é uma obra contundente onde mostra a eterna luta entre as classes sociais e de uma forma bastante competente. Amigos leitores, O Garoto do Riquixá é IMPERDÍVEL de tantas formas que fica difícil escolher apenas uma. LEIAM essa obra fenomenal. Fica registrado aqui minha gratidão para com a Editora Estação Liberdade pelo envio desse excelente livro.

Sobre a edição: O Garoto do Riquixá vem no formato brochura, mas com uma capa muito bonita, seguindo os padrões já conhecidos da editora Estação Liberdade. O livro conta com fonte bastante agradável e folhas amareladas. O Garoto do Riquixá conta com um pequeno texto do próprio autor relatando como foi escrever o livro, também apresenta a biografia de Lao She, que na verdade é pseudônimo de Shu Qingchun. Realmente, uma edição bacana e bem completa.


Sobre o autor: Lao She nasceu em Beijing, em 03 de fevereiro de 1899. Órfão de pai desde criança, não pôde estudar até alcançar a idade dos nove anos, em função da falta de recursos da família. Frequentou a Escola Normal de Beijing, onde se formou em 1918. Foi diretor em escolas primárias e secundárias tanto em Beijing quanto em Tianjin. Teve uma primeira estada no Ocidente entre 1924 e 1929, em Londres, onde atuou como professor de chinês e escreveu suas primeiras obras.

Após a Segunda Guerra, viveu um período nos Estados Unidos, até retornar em definitivo ao seu país natal. Outras de suas obras incluem o romance Mao chéng ji [A Cidade dos Gatos, 1932] e a peça de teatro Chágan [A Casa de Chá, 1956]. Faleceu em 24 de agosto de 1966, no apogeu da Revolução Cultural, depois de, acusado juntamente com outros companheiros de "direitismo", ter sofrido perseguição política. Foi reabilitado em 1978 e hoje suas mais de quarenta obras publicadas circulam amplamente.

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